O Brasil no Século 16
Portugal tinha seus negócios na África e na Ásia. Colonizar o Brasil seria um processo gigantesco e levaria tempo. Inicialmente, Portugal marcou a posse da terra. Em 1503, fundou-se a primitiva Colônia de Porto Seguro e uma feitoria em Caravelas. Depois o Brasil foi arrendado e fundou-se modestas feitorias e entrepostos de troca do pau-brasil, principalmente no sul da Bahia.
Nos anos seguintes, Portugal concentrou-se na solidificação do lucrativo comércio de especiarias, na Ásia. Em 1509, os portugueses derrotaram os árabes na Batalha de Diu. Em 1510, conquistaram Goa (Índia). Em 1511, conquistaram Malaca (Malásia). Em 1512, foram até as Molucas (Indonésia). Na maior parte do século 16, os portugueses eram os senhores do Atlântico Sul e do Oceano Índico. O domínio comercial português estendeu-se até a China e incluía o controle do Golfo Pérsico. Acredita-se que os portugueses foram os primeiros europeus a desembarcarem na Austrália. Não é possível entender a História do Brasil, sem entender os negócios de Portugal, na África e na Ásia.
As terras brasileiras foram disputadas pelos europeus, a partir de 1504. Os franceses não aceitaram o Tratado de Tordesilhas (1494) e ocuparam vários pontos do litoral brasileiro, nas primeiras décadas do século 16. Nessa época, os portugueses dominavam as rotas do Atlântico e do Índico, com domínios em quatro continentes (Europa, América, África e Ásia).
1501 - No início desse ano chegou provavelmente a segunda expedição europeia ao Brasil, comandada pelo navegador português João da Nova, que deveria fazer escala no Brasil, à caminho da Índia.
No mesmo ano, veio a primeira expedição exploratória, comandada pelo navegador português Gonçalo Coelho. Os registros a respeito são pouco claros. Américo Vespúcio participou como coadjuvante. Nesta expedição, vários pontos notáveis da costa brasileira foram batizados de acordo principalmente com um calendário litúrgico, uma tradição portuguesa, e marcos de posse da Coroa Portuguesa foram instalados. Essa foi uma expedição de grande valor histórico, pois constatou-se que as terras descobertas não eram as Índias, mas sim um novo continente.
Em 1501, Porto Seguro já teria alguns habitantes portugueses trazidos naquelas três primeiras expedições: Cabral, João da Nova e Gonçalo Coelho. Seriam provavelmente degredados, como os dois deixados por Cabral. Teriam nascido assim os primeiros caboclos brasileiros, mestiços dos portugueses e dos brasileiros primitivos, tupiniquins e tupinambás.
1502 - Começou a exploração do pau-brasil (no Brasil), madeira de grande valor no mercado europeu. O pau-brasil era conhecido antes do descobrimento do Brasil e era utilizado principalmente como corante, devido à sua cor avermelhada.
Em agosto ou setembro foi celebrado o contrato de arrendamento da Terra de Santa Cruz para Fernão de Loronha, por três anos.
1503 - Foi enviada uma nova missão portuguesa, comandada por Gonçalo Coelho e patrocinada por Fernão de Loronha. Essa foi também, a primeira missão colonizadora do Brasil, que fundou a primitiva Colônia de Porto Seguro.
Conforme indicou Jaboatão, os primeiros missionários católicos no Brasil foram dois frades franciscanos menores da Província de Portugal Observante. Seus nomes são desconhecidos. Foram enviados, em 1503, para Porto Seguro, para catequizar os índios. Eles formaram o primeiro povoado brasileiro com a participação de europeus. Jaboatão relatou que existiam alguns portugueses juntos com esses missionários. Com a ajuda dos índios, construíram uma casinha, com sua pequena igreja da invocação do Seráfico Patriarca São Francisco. Jaboatão atesta ter sido esse o primeiro templo erguido em todo o Brasil. Essa primeira missão funcionou bem por cerca de dois anos. Porto Seguro abrigava também uma feira de escambo, em que os portugueses trocavam mercadorias com os índios. Jaboatão relatou, que, de acordo com as crônicas da Ordem, esse povoado pioneiro foi massacrado em 19 de junho de 1505. Esses frades foram os primeiros mártires europeus do Brasil, devorados pelos nativos.
A expedição de Gonçalo Coelho teria fundado também o segundo povoado brasileiro com europeus, perto de Caravelas, na Bahia. Lá fundou-se uma feitoria, deixado 12 peças de artilharia e 24 homens, como referido por Américo Vespúcio.
Ainda, em 1503, uma das naus da expedição de Vasco da Gama, que retornava das Índias, carregada de mercadorias, perdeu-se na costa do Brasil, antes de agosto de 1503, de acordo com a carta de D. Manuel de 1505 (download, 83MB).
1504 - Em 16 de janeiro foi concedida a primeira donataria hereditária do Brasil: Fernando de Noronha.
Tem-se os primeiros relatos de navios franceses no Brasil. Segundo Anchieta (Informação do Brasil e de suas capitanias, 1584), "Na era de 1504 vieram os franceses ao Brasil, a primeira vez ao porto da Bahia, e entraram no rio de Paraguaçu, que está dentro da mesma Bahia, e fizeram seus resgates e tornaram com boas novas à França, donde vieram depois três naus e estando no mesmo lugar em resgate, entraram quatro naus de Portugal e queimaram-lhe duas naus e outra lhe tomaram com matar muita gente, alguma da qual todavia escapou em uma lancha e achou na ponta de Itapoama, 4 léguas da Bahia, uma nau dos seus que se tornou para França, e nunca mais tornaram à Bahia, até agora,..." Mas os franceses continuaram vindo e estavam na Bahia com Caramuru.
Os franceses referidos por Anchieta poderiam ser os mesmos da expedição de Gonneville. Sabe-se que, em 1504, o capitão francês Binot Paulmier de Gonneville aportou em algum ponto do litoral brasileiro, provavelmente Santa Catarina, após um desvio de rota, quando seguia para as Índias Orientais. Gonneville partiu com seu navio L'Espoir, do porto de Honfleur, da França, em junho de 1503, acompanhado de dois navegadores portugueses: Bastiam Moura e Diogo Coutinho, contratados secretamente em Lisboa. Encontraram-se com os índios carijós, ergueram uma grande cruz de madeira, em uma colina, e retornaram à França, após cerca de seis meses, com Essomericq à bordo, um carijó, filho do chefe Arosca.
Essomericq educou-se na França e nunca retornou. Casou-se com uma das filhas de Gonneville, herdou seus bens, teve 14 filhos e morreu em 1583.
Os relatos da expedição de Gonneville sobre a abundância de recursos no Novo Mundo incentivaram novas expedições francesas ao Brasil, em um ciclo de pirataria do pau-brasil, que durou décadas.
1509 - Navegadores que passavam pela Baía de Todos os Santos referiam-se a um prestativo português, que habitava um povoado na Barra e que os ajudava em suas demandas. Os índios o chamavam de Caramuru. Diogo Álvares Correia, o Caramuru, é o patriarca da nação brasileira. Casou-se com a princesa tupinambá Paraguaçu. Sua atuação foi fundamental para a integração de índios e europeus durante os primeiros tempos da colonização do Brasil.
1512 - Por volta desse ano, o navegador português João de Lisboa chegou até o Rio da Prata. Em fevereiro de 1514, outro navegador português João Dias de Solis, a serviço da Espanha e em busca de um caminho para as Molucas, também navegou o Rio da Prata, mas foi devorado pelos charruas junto com outros tripulantes no mesmo ano. Os portugueses reivindicaram as terras da margem esquerda do Rio da Prata, que inclui o Uruguay, por quase todo o tempo da América Lusitana. Mais: História do Uruguay ►
1517 - Na Alemanha, Lutero publicou as 95 teses contra as Bulas de Indulgência. Nos anos seguintes, o Protestantismo ganhou espaço cada vez maior.
1521 - Subiu ao trono de Portugal o rei Dom João III, que reinou até 1557.
Em abril, o navegador português Fernão de Magalhães chegou às Filipinas, a serviço da Espanha, e lá morreu em combate. Sua expedição realizou a primeira circunavegação do Globo, comprovando que a Terra era mesmo redonda. Essa expedição gerou mais conflitos entre Portugal e Espanha e o Tratado de Tordesilhas teve que ser revisto.
1528 - Catarina Paraguaçu, mulher de Caramuru, foi batizada em Saint-Malo, na França, com o nome de Katherine du Brésil.
1529 - A questão das Molucas foi finalmente resolvida com os espanhóis. Nessa época, Portugal já tinha o franco domínio do comércio de especiarias na Ásia, além do domínio da costa africana. Chegou o tempo de olhar melhor para o Brasil.
1530 - Em 20 de novembro, Martim Afonso de Sousa recebeu de D. João III cartas de poder que o nomeavam Capitão-Mor da armada a ser enviada à Terra do Brasil e das terras que descobrisse na dita Terra. Essas cartas lhe davam poder civil, militar e jurídico sobre as terras que descobrisse na área de demarcação da América Lusitana. Martim Afonso também recebeu autorização para doar sesmarias nas terras que descobrisse, com objetivo de colonização. Essas cartas de poder claramente não se aplicavam às terras brasileiras já conhecidas e marcadas como portuguesas por expedições anteriores.
Em 3 de dezembro, a expedição de Martim Afonso partiu de Lisboa. Chegou na Bahia, em março de 1531, conheceram Caramuru, receberam mantimentos e lá deixaram dois homens com muitas sementes "para fazerem experiência do que a terra dava". Martim Afonso visitou Caramuru nas duas vezes em que esteve no Brasil.
1531 - Ocorreu a primeira tentativa de colonização francesa, no Brasil, teria sido na Ilha de Santo Aleixo (atual município de Sirinhaém, Pernambuco), segundo referências de Pedro Calmon (História do Brasil, 1959). Jean Duperet, capitão do navio La Pèlerine, construiu uma fortaleza provisória no local. Duperet carregou seu navio de pau-brasil e seguiu para a França. Deixou a fortaleza guarnecida com 70 homens. Essa primitiva colônia francesa foi destruída pela expedição de Martim Afonso de Sousa e o La Pèlerine foi capturado pelos portugueses, antes de chegar na França. O Barão de St. Blancard, financiador da expedição francesa, protestou no tribunal de Bayonne, na França, em 1538.
Em 30 de abril de 1531, Martim Afonso chegou no Rio de Janeiro e seguiu até o Rio da Prata. Em 1532, fundou a primeira vila do Brasil, a de São Vicente. A expedição retornou a Portugal naquele mesmo ano.
1534 - Iniciou-se a implantação do sistema de Capitanias Hereditárias no Brasil continental, numa tentativa de colonizar, de forma abrangente, e confirmar o domínio português no Brasil. Começou a formação política da América Lusitana.
1537 - Em 2 de junho, o Papa Paulo III promulgou a bula Sublimis Deus, reconhecendo que os índios americanos eram dignos de receber a fé cristã e portanto sua escravização seria proibida.
1540 - Inácio de Loyola fundou o Ordem dos Jesuítas, que seriam os educadores dos brasileiros por mais de duzentos anos.
1541 - O explorador espanhol Francisco de Orellana realizou uma expedição, em busca do mítico Eldorado, e descobriu o Rio Amazonas para os europeus. O conquistador desceu o Rio desde os Andes peruanos até a foz no Atlântico, onde chegou em agosto de 1542. O batismo de Amazonas foi influência da lenda grega das mulheres guerreiras, as amazonas. Ele contou ter visto guerreiras semelhantes na região. O território descoberto foi chamado de Nova Andaluzia (parte da atual Amazônia) e Orellana recebeu o direito de colonizá-la. Retornou, em 1545, mas faleceu no ano seguinte.
1548 - Buscando um melhor controle sobre a América Lusitana, com muitos ataques de piratas franceses e rebeliões indígenas, Portugal decidiu implantar um governo central no Brasil. Dom João III comprou dos herdeiros de Francisco Pereira Coutinho a Capitania da Bahia para nela fundar a sede administrativa do Brasil. Em 17 de dezembro, Dom João III assinou o Regimento, a primeira constituição do Brasil, entregue a Thomé de Sousa, o primeiro governador do Brasil.
1549 - Nasceu o Brasil como unidade política, com a fundação da Cidade do Salvador e a instalação do primeiro Governo Geral.
Continuação do século 16:
● Primeiros Governos-Gerais e União Ibérica ►
● Os Jesuítas ►
O cartógrafo alemão Martin Waldseemüller batizou parte do Novo Mundo em seu planisfério, publicado em 1507. Colocou AMERICA em cima do Brasil.
A Torre do Castelo de Garcia d'Ávila em ilustração publicada em 1612. Localizada no litoral norte da Bahia, atual Praia do Forte, era usada para observação, comunicação e defesa. Serviu como uma importante referência para os navegadores da época.
A história da Casa da Torre, que teve a participação de Caramuru, começa com a chegada de Thomé de Sousa para fundar a capital do Brasil. Os nobres herdeiros de Garcia d'Ávila e de Caramuru tiveram grande influência na História do Brasil, ao longo dos séculos. Em meados do século 19, o Castelo foi abandonado.
As ruínas do Castelo e a Capela da Torre ainda se encontram no local e representam um dos mais importantes patrimônios históricos da América.
O século 16 começou em 1501. Entenda o calendário►
Luso-brasileiro só depois da Independência do Brasil
O adjetivo luso-brasileiro não deveria ser usado para épocas anteriores a 1815, quando o Brasil foi elevado a reino. A razão é que não se forma adjetivo composto com hierarquias diferentes. Alguns autores passaram a usar esse adjetivo composto para designar aqueles nascidos no Brasil, durante o domínio português. Mas está errado, pelo mesmo motivo que quem nasce, hoje, em Minas Gerais é mineiro (consequentemente, brasileiro) e não mineiro-brasileiro.
Antes da Revolução Francesa, no final do século 18, o conceito de nação e de nacionalidade era nebuloso. As pessoas eram súditas do rei, o suserano, lutavam por ele e não claramente por uma nação.
Em Portugal, os textos da época não deixam claro a questão dos gentílicos, mas sabe-se que filhos de portugueses eram também considerados portugueses, mesmo se nascidos no Brasil, que era um estado lusitano. Entretanto, eram também brasileiros, sendo esse o gentílico regional, na época. Por exemplo, na Biblioteca Lusitana, de 1752, por Diogo Barbosa Machado, os autores brasileiros eram mesmo considerados portugueses.
Mas a questão não é simples. Nacionalidade requer reconhecimento. Seriam holandeses os filhos de portugueses, nascidos durante a invasão holandesa?
Os índios, por exemplo, tinham suas próprias nações e viviam em conflito com os colonizadores europeus. Os escravos não tinham cidadania portuguesa e os mestiços ficavam no limbo.
Em 1815, o Brasil foi elevado a Reino e assumiu a mesma hierarquia de Portugal, mas o problema dos gentílicos não acabou. Pode-se argumentar que, então, o Brasil não seria mais português, mas continuava lusitano, no sentido amplo. D. João VI continuava a registrar que o Reino era dele e os habitantes, seus vassalos.
Na Península Ibérica, somente em 1812, o conceito de nação e os gentílicos correspondentes foram formalmente regulados, com a Constituição de Cádiz. A nação foi colocada acima do rei e estabelecia que o povo era constituído por todos os espanhóis do Império, tanto os peninsulares como os do ultramar.
O mesmo conceito foi adotado para os portugueses, em março de 1821, nas Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, que estabelecia que a Nação Portuguesa era a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios, o que incluía os brasileiros.
A questão só terminou com a Independência do Brasil e a Constituição de 1824, que estabeleceu as condições para a cidadania brasileira. Hoje, pode existir, por exemplo, um evento luso-brasileiro, patrocinado pelas duas nações independentes.
Por Jonildo Bacelar
Ilustração da exploração do pau-brasil, junto a Porto Seguro, no Atlas de Nicolas Vallard, de 1547, elaborado na França. Desde 1504, os piratas franceses exploravam a madeira vermelha no litoral brasileiro e continuaram a fazê-lo até o início do século 17, quando foram expulsos do Maranhão.
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