Conjuração Baiana - 1796 a 1798

 

No final do século 18, a Bahia foi o palco de uma revolução social, que buscava a proclamação de uma República Bahinense, com igualdade de direitos para todos: a Conjuração Baiana. Seguia os ideais de liberdade que fluíam no século 18 e envolveu intelectuais, donos de engenho, escravos, artesãos, militares, padres, brancos, negros, pobres e ricos.

O movimento teve duas fases distintas. A primeira foi iniciada, em 1796, por parte da elite baiana. Esperavam apoio militar da França para deflagrar a sedição, mas, sem reposta dos franceses, retraíram-se após as primeiras repressões no ano seguinte.

A segunda fase, foi uma retomada da primeira, mas com participação ativa das camadas mais populares. Acredita-se que agiam com apoio ou a mando de baianos ricos e influentes, como demonstra Patrícia Valim, em sua tese de doutorado de 2012 (USP). A historiadora também revela as negociações econômicas e as disputas de poder, nos bastidores do movimento, envolvendo o governador da Bahia e os conjurados ricos.

Na época, Salvador tinha cerca de 70 mil habitantes, era a maior cidade do Brasil. Com a queda na produção de ouro e diamantes, em Minas Gerais, a Bahia voltava a ser a capitania mais rica da América Lusitana, com sua produção de açúcar, tabaco e algodão.

Brasileiros brancos tinham geralmente limites em suas aspirações profissionais, em comparação aos portugueses. Negros e pardos sofriam com uma sociedade racista. Membros da elite reclamavam dos impostos e da falta de liberdade comercial. Soldados reclamavam dos baixos soldos. A indústria de manufaturas era proibida pelo Alvará de 1785, o que explica o grande número de artesãos na cidade. Salvador era o principal porto do Brasil, mas só navios portugueses podiam atracar.

A sociedade baiana era, em grande parte, dominada pelas irmandades religiosas das ordens terceiras e outras instituições católicas. Existiam as irmandades dos negros, as irmandades dos pardos e as irmandades do brancos, cada uma com sua igreja. Essas irmandades não eram formadas por padres, que tinham suas próprias ordens religiosas e suas próprias igrejas. A grande quantidade de igrejas, em Salvador, tinha imensa razão social. Por exemplo, entre as mais poderosas irmandades da Cidade estavam a da Ordem Terceira de São Francisco, a da Ordem Terceira do Carmo e a da Ordem Terceira de São Domingos Gusmão. Enquanto a maçonaria ganhava força nos países protestantes, como os EUA, na Bahia, as ordens terceiras competiam por prestígio e poder. Provavelmente, grande parte das discussões sobre a Conjuração Baiana ocorreu nessas sociedades católicas.

Acredita-se, também, que no final do século 18, a maçonaria começava a ganhar algum espaço na Bahia, embora proibida. O intelectual e comerciante baiano José Borges de Barros foi acusado de ser um grão mestre dessa sociedade, na Ilha da Madeira. Barros retornou de Portugal entre 1795 e 1796 e passou a divulgar ideais republicanos. Desapareceu da Bahia em meados de 1797, com as primeiras repressões à Conjuração. Sabe-se que estava em Londres, anos depois, conforme relata Luís Henrique Tavares.

Provavelmente, o mais importante intelectual da Conjuração Baiana foi o cirurgião e jornalista Cypriano Barata, que estudou na Universidade de Coimbra. Também passou a divulgar os ideais republicanos quando retornou a Salvador, em 1792.

Em novembro de 1796, chegou, em Salvador, o capitão francês Antoine René Larcher (1740-1808), que perdera seu navio e vinha como passageiro em um navio português. Larcher permaneceu na Cidade por pouco mais de um mês e manteve contato com vários membros da elite baiana. Sua guarda estava a cargo do tenente Hermógenes Pantoja, que provavelmente ouvia atentamente as ideias republicanas do capitão Larcher.

Os pesquisadores István Jancsó e Marco Morel apresentaram, na Revista Topoi, em 2007, provas de que os conjurados solicitaram apoio militar da França para o movimento, através de Larcher, que era chefe da Divisão das Armadas Navais Francesas. Considere-se nesse contexto, que a França tinha pretensões comerciais no Brasil desde o início do século 16.

Larcher seguiu para Lisboa, em janeiro de 1797 e lá ficou por mais alguns meses, sem conseguir retornar à França. Larcher enviou secretamente, de Lisboa, duas cartas para o governo francês, informando a situação da Conjuração na Bahia e as vantagens comerciais que viriam de um possível apoio militar. Talvez, com a perda de seu navio, Larcher tenha também perdido seu prestígio. Não se conhece resposta do governo francês.

Por volta dessa época, também existiam prisioneiros franceses no Forte do Barbalho, que foram trazidos da Ilha de São Tomé. Acredita-se que esses também tiveram alguma influência sobre participantes do movimento.

Em meados de 1797, o governador da Bahia, Dom Fernando José de Portugal e Castro, foi informado, pelo coronel Lucena, de que havia reuniões suspeitas e citou nomes. Muitos manifestavam abertamente suas preferências pela república.

O governador repreendeu o tenente Pantoja, determinando que ele se recolhesse em casa e se declarasse doente. Com a percepção de que o movimento havia sido denunciado, alguns dos conjurados deixaram a cidade, outros se calaram. O coronel Lucena ordenou que Manuel de Santana recebesse uma roda de pau, um castigo a pauladas. Manuel desertou depois.

Em dezembro de 1797, alguns dos conjurados voltaram a se reunir durante o batizado da filha do soldado Lucas Dantas. Entre eles, o tenente Pantoja, Luís Gonzaga e Manuel de Santana. Nesta segunda fase, a Conjuração adquiriu uma feição mais popular, com grande participação de soldados, padres e artesãos. Os encontros continuaram pelo início de 1798 e já circulavam, em Salvador, panfletos com críticas ao governo. Tramavam uma guerra civil para conquistar independência e proclamar a República Bahinense.

Na manhã de 12 de agosto de 1798, lia-se em panfletos manuscritos afixados nas ruas de Salvador: Animai-vos povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz de nossa liberdade; o tempo em que seremos todos irmãos; o tempo em que seremos todos iguais;... um panfleto contava a participação de 676 pessoas comprometidas com o movimento, mais da metade eram soldados.

Os conjurados esperavam a adesão imediata da maior parte da população. O governador ordenou uma devassa para descobrir os envolvidos. Alguns dias depois, ordenou-se a prisão do requerente de causas Domingos da Silva Lisboa, pois sua letra foi considerada parecida com a dos panfletos.

Em 20 de agosto, duas novas cartas, assinadas por anônimos republicanos, foram postadas na Igreja do Carmo. Uma era destinada ao governador, nomeando-o para presidente do Supremo Tribunal da Democracia Bahinense. A outra destinava-se ao prior dos carmelitas, nomeando-o chefe da Igreja Bahinense.

O soldado Luís Gonzaga foi preso. Consideraram que sua letra era semelhante tanto a das cartas do Carmo, quanto a dos panfletos de 12 de agosto. Gonzaga negou tudo. Uma busca em seu quarto, entretanto, revelou textos e um diário, considerados como prova de seu envolvimento.

Com a prisão de Gonzaga, os demais conjurados reuniram-se para reavaliar o movimento. Estudaram a possibilidade de antecipar o levante e libertar seu companheiro. Marcaram nova reunião no Campo do Dique do Desterro, para 25 de agosto, mas o encontro foi denunciado por dois dos convidados: o ferrador J. J. da Veiga e o barbeiro J. J. de Santana. Os denunciantes foram orientados a fingir adesão ao movimento até a reunião.

É provável que muitos dos conjurados tenham sido avisados das denúncias ou perceberam a movimentação das tropas, pois poucos compareceram à reunião. Esperava-se pelo menos 200 participantes, mas apenas 14 compareceram, incluindo os denunciantes, segundo os Autos da Devassa. Um dos conjurados reconheceu o coronel das forças de repressão e avisou os colegas, que se dispersaram.

Com o fracasso da reunião, o soldado português J. J. Siqueira também contou tudo o que sabia ao governador. As prisões começaram no dia seguinte e continuaram até o início de 1799. Alguns conjurados nunca foram encontrados. O oficial encarregado das prisões foi o tenente-coronel Alexandre Teotonio de Sousa, conhecido por sua crueldade e proprietário da Fazenda Alagoa, atual Amaralina.

Foram presas 39 pessoas, mas apenas 32 foram acusadas. O julgamento se desenrolou por 1799. Seis réus foram condenados à morte por crime de lesa-majestade, os demais tiveram penas de degredo ou prisão. Entre os condenado à morte, o soldado Romão Pinheiro teve sua pena comutada para degredo na África e o ourives Luís Pires desapareceu.

Cypriano Barata foi preso e libertado em 1799, por falta de provas. O tenente Pantoja e José Gomes de Oliveira Borges, condenados à seis meses de prisão, tiveram as penas perdoadas.

Em novembro de 1799, foram enforcados, no Largo da Piedade, os líderes da Conjuração, da classe mais popular: Lucas Dantas, Manuel Faustino, João de Deus e Luís Gonzaga. Todos mulatos soldados ou alfaiates. Seus corpos foram esquartejados e pendurados em várias partes da Cidade.

Acredita-se que o governador da Bahia buscou proteger os membros da elite baiana das acusações, como bem revela Patrícia Valim, em sua Tese de 2012.

Os portugueses buscaram desqualificar o movimento, que ficou conhecido por muito tempo como a Rebelião dos Alfaiates.

Os brasileiros estavam progressivamente amadurecendo para se tornar uma Nação independente. A Conjuração Baiana foi um movimento maior que a Inconfidência Mineira (1789). Em 1817, eclodiu a Revolução Pernambucana, o maior de todos os movimentos de libertação do domínio lusitano antes da Guerra da Independência.

 

Cypriano Barata (1764-1838) nasceu em Salvador, diplomou-se em Filosofia, Medicina e Matemática pela Universidade de Coimbra, em 1790. Destacou-se como jornalista e foi um dos mais importantes ativistas políticos do Brasil. Editava o Sentinela da Liberdade e suas críticas o levaram à prisão mais de uma vez.

Foi um dos intelectuais da Conjuração Baiana. De 1797 a 1798, foi acusado de pregações incendiárias e práticas heréticas, com denúncias enviadas a D. Maria I e ao Santo Ofício. Em setembro de 1798, foi preso, acusado de participar da Conjuração Baiana, mas absolvido em novembro de 1799.

Participou também de outros movimentos que levaram o Brasil à Independência, como a Revolução Pernambucana de 1817.

Em dezembro de 1821, tomou posse como deputado pela Província da Bahia nas Cortes de Lisboa, quando o Brasil fazia parte do Reino Unido com Portugal e Algarves. Retornou ao Brasil, em 1822, em plena Guerra da Independência. Em 1824, participou da primeira Constituição brasileira.

Em 1835, Cypriano fechou seu jornal. Em 1837, mudou-se para Natal, onde faleceu no ano seguinte.

 

Enforcamento, em novembro de 1799, dos conjurados Lucas Dantas, Manuel faustino, João de Deus e Luís Gonzaga, no Largo da Piedade (Ilustração de Rodval Matias para o livro A Conjuração Baiana de Luís Henrique Tavares, Editora Ática).

 

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Cipriano Barata

 

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O Solar do Unhão e vista para a Baía de Todos os Santos em pintura do início do século 19. O local foi usado como esconderijo por Lucas Dantas e Manuel Faustino, após a denúncia da Conjuração, em 1798.

 

 

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Enforcamento

 

 

O Largo da Piedade e sua Igreja, em ilustração de Rugendas de 1835. A Igreja de Nossa Senhora da Piedade foi fundada em 1679, pelos capuchinhos franceses, em Salvador. Em 1799, quando os conjurados foram enforcados nesse local, a arquitetura da Igreja era mais simples. A construção da fachada desta ilustração foi iniciada dez anos depois e novamente reformada cerca de cem anos mais tarde.

 

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Por Jonildo Bacelar

 

 

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